Pernambuco registra 3,5 mil mortes por doenças cardíacas em 5 meses: O que esse número revela sobre a saúde cardiovascular hoje
Nos primeiros cinco meses de 2025, Pernambuco registrou aproximadamente 3,5 mil mortes por doenças cardiovasculares, segundo levantamento divulgado pela imprensa local. Uma das matérias que trouxe esse dado foi publicada pelo Jornal do Commercio, reforçando a dimensão do problema no estado.
Pernambuco registra 3,5 mil mortes por doenças cardíacas em cinco meses — JC Online
https://jc.uol.com.br/colunas/saude-e-bem-estar/2025/09/08/pernambuco-registra-35-mil-mortes-por-doencas-cardiacas-em-apenas-cinco-meses-de-2025.html
À primeira vista, pode parecer apenas mais um número epidemiológico. Mas ele revela um cenário que merece ser analisado com cuidado: estamos enfrentando uma doença altamente prevalente, cada vez mais precoce e ainda subestimada.
As doenças cardiovasculares seguem como a principal causa de morte no Brasil e no mundo. Contudo, quando um estado como Pernambuco apresenta números tão expressivos em tão pouco tempo, isso evidencia uma combinação de fatores preocupantes: aumento do risco em idades mais jovens, mudanças no estilo de vida, maior prevalência de obesidade, sedentarismo, hipertensão não controlada e redução da procura por serviços de saúde após a pandemia.
Eventos cardíacos cada vez mais precoces
Mais grave do que o número total de mortes é o fato de que parte significativa desses óbitos ocorre em faixas etárias mais jovens, frequentemente a partir dos 40 anos.
Esse fenômeno já é observado em outros países, mas agora começa a aparecer com intensidade crescente no Brasil.
Estresse crônico, jornadas de trabalho extenuantes, alimentação ultraprocessada, tabagismo, uso de estimulantes e anabolizantes, todos esses fatores estão contribuindo para aumentar o risco cardiovascular décadas antes do esperado.
Como cirurgião cardiovascular, vejo cada vez mais pacientes chegando ao hospital em situação crítica, frequentemente sem histórico prévio, mas carregando fatores de risco silenciosos como hipertensão desconhecida, dislipidemia não tratada, resistência insulínica, obesidade abdominal e inflamação crônica de baixo grau.
O que explica esse aumento?
Diversas possibilidades podem ser consideradas:
- Diagnóstico tardio de condições controláveis, especialmente hipertensão e diabetes.
- Interrupção do cuidado durante a pandemia, que afastou muitos pacientes da atenção primária.
- Aumento de hábitos nocivos, como sedentarismo e consumo alimentar excessivo.
- Crescimento da obesidade, especialmente entre adultos jovens.
- Baixa percepção de risco entre mulheres, que muitas vezes só se veem como “cardiopatas em potencial” após a menopausa.
- Desigualdades sociais que impactam o acesso à saúde, embora este texto não se aprofunde nelas, funcionam como pano de fundo.
O ponto mais importante é: a maior parte dessas mortes poderia ter sido evitada com diagnóstico precoce, controle adequado dos fatores de risco e acompanhamento regular.
Para contextualizar a gravidade nacional do problema, vale mencionar o relatório científico Cardiovascular Statistics – Brazil, da SBC/ABC Cardiology, que detalha tendências recentes da mortalidade cardiovascular no Brasil:
Relatório Cardiovascular Statistics – Brazil
https://abccardiol.org/en/article/cardiovascular-statistics-brazil-2023/
O papel da atenção primária, urgência e redes de cuidado
Quando dados como esses surgem, eles funcionam como um chamado para fortalecer a rede de cuidado. Como profissional que também atua na gestão do Ministério da Saúde, vejo com clareza que o enfrentamento da mortalidade cardiovascular exige:
- Atenção primária estruturada, capaz de identificar precocemente hipertensão, diabetes, dislipidemia e risco cardiovascular global.
- Rastreamento ativo em populações prioritárias, incluindo adultos de 30 a 55 anos, especialmente com histórico familiar.
- Linhas de cuidado integradas, permitindo que pacientes com suspeita de síndrome coronariana tenham acesso rápido ao diagnóstico e à terapia.
- Educação em saúde contínua, com campanhas sobre sintomas de infarto, AVC e insuficiência cardíaca.
- Expansão do cuidado domiciliar e pós-alta, reduzindo reinternações e complicações.
Reverter esse cenário é possível
A boa notícia é que países que investiram em prevenção, triagem sistemática e educação em saúde reduziram drasticamente a mortalidade por doenças cardíacas. O Brasil pode seguir o mesmo caminho.
Para isso, precisamos alinhar conhecimento científico, ações clínicas e políticas públicas, integrando gestão, ciência e prática assistencial. O dado de Pernambuco não deve gerar pânico; deve provocar movimento.
É um convite para refletirmos sobre hábitos, fortalecermos o cuidado e transformarmos a forma como enxergamos a saúde cardiovascular.
Para acompanhar reflexões, conteúdos sobre saúde cardiovascular, prevenção, ciência, ensino e temas relacionados à gestão e políticas públicas em saúde, me siga nas redes sociais: @drfernandofigueira.










